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Conduta abusiva - Plano de saúde não pode negar tratamento prescrito por médico

A conduta eivada de abusividade, atentatória e contra o princípio da dignidade da pessoa humana poderá ensejar reparação por danos morais


Perante a possibilidade da confirmação de doenças de alto risco à saúde, tem sido comum negativas de operadoras de planos de saúde em realizar alguns tipos de exames e procedimentos médicos de valores mais altos.

A justificativa, na maioria das vezes, é no sentido de que não seriam devidas em razão de uma suposta não inclusão no rol de procedimentos disciplinados por alguma resolução normativa da Agência Nacional de Saúde (ANS).

Perante essa situação, torna-se imperiosa análise do contrato – normalmente de adesão –, a fim de se constatar possível existência de qualquer tipo de ressalva a determinadas doenças, que estariam excluídas da cobertura do plano de saúde.

No caso de não haver exclusão expressa e direta pelo contrato, a recusa da prestadora dos serviços em custear torna-se abusiva e arbitrária, constituindo afronta direta ao art. 6°, inc. III c/c art. 46 c/c art. 54, § 4°, do Código de Defesa do Consumidor.

Nesse sentido, o STJ entende abusiva a cláusula que exclui a cobertura para tratamento da saúde, conforme o precedente a seguir transcrito:


"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO MÉDICO. DOENÇA PREVISTA NO CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. PROCEDIMENTO NÃO PREVISTO NO ROL DA ANS. ROL EXEMPLIFICATIVO. COBERTURA MÍNIMA. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. SÚMULA N. 83 DO STJ. DANO MORAL. NÃO IMPUGNAÇÃO DE FUNDAMENTO SUFICIENTE POR SI SÓ PARA A MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA N. 283 DO STF. QUANTUM INDENIZATÓRIO. SÚMULA N. 182/STJ. 1. Não é cabível a negativa de tratamento indicado pelo profissional de saúde como necessário à saúde e à cura de doença efetivamente coberta pelo contrato de plano de saúde. 2. O fato de eventual tratamento médico não constar do rol de procedimentos da ANS não significa, per se, que a sua prestação não possa ser exigida pelo segurado, pois, tratando-se de rol exemplificativo, a negativa de cobertura do procedimento médico cuja doença é prevista no contrato firmado implicaria a adoção de interpretação menos favorável ao consumidor. 3. É inviável agravo regimental que deixa de impugnar fundamento da decisão recorrida por si só suficiente para mantê-la. Incidência da Súmula n. 283 do STF. 4. "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada" (Súmula n. 182 do STJ). 5. Agravo regimental parcialmente conhecido e desprovido." (AgRg no AREsp 708.082/DF, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe 26/02/2016)


A questão é que o contratante do plano de saúde, diante desse tipo de situação, vê-se impossibilitado de usufruir aquilo que foi contratado, aumentando o risco à sua vida e fazendo com que seu tratamento ocorra em condições extremamente gravosas.

Isso porque negar autorização para a realização de exame ou procedimento de saúde fere a finalidade básica do contrato, colocando o usuário em posição de intensa desvantagem.

Sobre a questão, já decidiu este eg. TJDFT:


"PLANO DE SAÚDE. COBERTURA. EXAME. RECUSA. DANOS MORAIS. HONORÁRIOS. 1 – O rol de procedimentos médicos da ANS, meramente exemplificativo, é apenas indicativo de cobertura mínima.2 – O plano de saúde pode definir as doenças cobertas, mas não o tratamento adequado.(…) 6 – Apelação do autor provida. Apelação da ré não provida. (Acórdão n.940889, Relator: JAIR OLIVEIRA SOARES, 6ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 11/05/2016, Publicado no DJE: 17/05/2016. Pág.: 267/339, sem grifos no original) CONSUMIDOR. SEGURO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. AÇÃO COMINATÓRIA E INDENIZATÓRIA. DEVER DE ARCAR COM DESPESAS DO EXAME PET-SCAN PARA ADEQUADO TRATAMENTO DE CÂNCER. ABUSIVIDADE. DANOS MORAIS CONFIGURADOS.1. "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde"(enunciado n. 469 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça). 2. O rol de procedimentos e eventos em saúde constante da RN n. 338/2013 – ANS, e nas resoluções antecedentes, é meramente exemplificativo e representa uma garantia mínima ao usuário dos serviços. Dessa forma, a ausência de previsão do exame PET-CT (PET- SCAN) não afasta a responsabilidade da operadora de Seguro Saúde em autorizar e custear o exame, sob pena de se macular a finalidade do contrato de seguro de saúde, que é justamente a assistência à saúde do consumidor. (…) Apelação cível desprovida.” (Acórdão n.944674, Relator: HECTOR VALVERDE SANTANNA, 5ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 25/05/2016, Publicado no DJE: 06/06/2016. Pág.: 374/380, sem grifos no original) Dentro desse panorama, tratando-se de procedimento necessário à continuidade do tratamento de saúde do autor, a negativa de autorização operada pela ré afronta a boa-fé objetiva que deve reger o contrato pactuado entre os contratantes e, ainda, põe em risco até o objeto do contrato de plano de saúde, que é a preservação da saúde e da vida. Consoante as razões acima expostas, não há que se falar que a parte ré agiu em cumprimento dos termos do contrato. Ao contrário, descumpriu-o, na medida em que criou embaraços para o autor, ante a negativa ao atendimento da cobertura pleiteada, devendo, por isso, responder pelas pretensões compensatórias. (…)"


Até mesmo porque a lista de procedimentos da ANS prevê apenas a cobertura mínima obrigatória, constando rol exemplificativo, motivo pelo qual deve ser conjugada com os princípios do CDC e da lei 9656/98.

É certo que o rol de procedimentos da ANS, não é atualizado com a mesma velocidade que surgem os avanços tecnológicos da medicina moderna, de forma que sempre existirá uma defasagem, que não pode ser ignorada, sob pena de se desnaturar a obrigação ajustada, impedindo-se o consumidor de ter acesso às evoluções médicas.

Nesse sentido, a lei 9.656/98, que trata dos planos privados de saúde, é expressa em estabelecer, como exigência mínima de tais contratos, a previsão de cobertura "exames complementares indispensáveis para o controle da evolução da doença e elucidação diagnóstica", conforme se observa na redação dada pela MP 2.177-44, de 2001.

Importante dizer, o fornecimento do exame é acessório do principal – o diagnóstico – sem o qual se tornaria inócuo o tratamento, cabendo somente ao médico, exímio conhecedor da patologia, ministrar os meios mais adequados ao caso.

Nesse sentido, o Egrégio STJ em voto condutor da Ministra Nancy Andrighi emanou o seguinte entendimento:


"Somente ao médico que acompanha o caso é dado estabelecer qual o tratamento adequado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade que acometeu o paciente; a seguradora não está habilitada, tampouco autorizada a limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do consumidor. (…)- A negativa de cobertura de transplante – apontado pelos médicos como essencial para salvar a vida do paciente –, sob alegação de estar previamente excluído do contrato, deixa o segurado à mercê da onerosidade excessiva perpetrada pela seguradora, por meio de abusividade em cláusula contratual.(REsp 1053810/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 15/03/2010)"(grifou-se)


Note-se, portanto, que não cabe à operadora do plano de saúde negar cobertura a exame destinado a completar o diagnóstico e precisar a evolução de doença cujo tratamento tem cobertura prevista vez que, do contrário, estaria autorizada a determinar o tratamento a que será submetido o consumidor.

Acrescente-se que interpretação diversa acabaria por atribuir às seguradoras e planos de saúde o poder de questionar os métodos a serem empregados pelo médico para o tratamento da doença, cuja cobertura está abrangida pelo contrato.


Não se duvida que as empresas que oferecem planos privados de assistência à saúde podem estabelecer quais patologias não são cobertas pelo seguro e inserir tal previsão no instrumento contratual. No entanto, não lhes cabe eleger os tipos de exames ou de tratamentos que lhes sejam mais convenientes.

Limitações desse tipo devem ser coibidas, pois constituem práticas eivadas de ilegalidade, baseadas no abuso do poder econômico, em detrimento da defesa e do respeito ao consumidor.

Constata-se, portanto, com clareza solar que a negativa do plano de saúde constitui ato abusivo, contrário à lei e aos mais comezinhos princípios que regulam as relações de consumo

Evidencia-se, portanto, que a limitação imposta atinge a lealdade contratual, pois impede que o aderente tenha a plena consecução do diagnóstico de sua doença, o que fere diretamente a sua saúde e dignidade.


À luz do disposto no CDC, em especial nos art. 51, inc. IV c/c o § 1º desse mesmo artigo, a restrição imposta é nula devendo ser afastada à vista de se preservar o direito daquele que contratou seguro-saúde com o propósito de melhor cuidar de um bem da vida, diga-se, o mais necessário de todos.


Ainda que houvesse cláusula expressa prevendo a exclusão de cobertura para procedimentos e/ou tratamentos não previstos no rol da ANS, seria nula de pleno direito, conforme determina o Código de Defesa do Consumidor:


"Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (.) IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade".


Afirma-se isto porque tal cláusula implicaria em se suprimir procedimentos que podem ser mais adequados ao controle ou cura da enfermidade, desnaturando o próprio objetivo do contrato de prestação de serviço de saúde.

Além disso, considerando o quadro clínico do consumidor, e diante da justificativa médica apresentada ao caso, restando nítida a necessidade de tratamento, a conduta abusiva e atentatória contra o princípio da dignidade da pessoa humana poderá ensejar reparação por danos morais. A propósito, eis jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:


"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.PLANO DE SAÚDE. COBERTURA. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL.MEDICAMENTO IMPORTADO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO.SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. (…) 2. Consoante a jurisprudência desta Corte, a recusa indevida da operadora de plano de saúde em autorizar o tratamento do segurado é passível de condenação por dano moral.3. (…)" (AgRg no AREsp 327.404/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/2015, DJe 27/03/2015) Devida, portanto, a condenação pelos danos morais.

Aliás, o STJ já decidiu diversas vezes sobre a possibilidade de condenar a operadora de plano de saúde a indenizar o dano moral sofrido por segurado ante a negativa de cobertura de procedimento diagnosticado. Nesse sentido:


"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. STENTS. PRÓTESE NECESSÁRIA AO SUCESSO DO TRATAMENTO MÉDICO. DANOS MORAIS. CABIMENTO. MATÉRIA PACIFICADA. SÚMULA 83/STJ.

1. A jurisprudência desta Corte "vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada".(REsp 918.392/RN). 2. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO". (AgRg.no Ag 1353037/MA, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, julgado em 28/02/2012, Dje 06/03/2012) (grifou-se).

Não bastasse todo o sofrimento pelo qual vem passando, ainda ter que suportar o descaso da operadora de plano de saúde, que resolve negar autorização para realização de exame em razão de (in)conveniente interpretação de resoluções da ANS, aumenta sobremaneira o sofrimento psicológico daquele que busca tratamento.

Para firmar o entendimento, colaciona-se jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça, na literalidade:


"DIREITO CIVIL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA. RECUSA INJUSTIFICADA. DANO MORAL. POSSIBILIDADE. Mero descumprimento contratual não gera dano moral. Entretanto, se há recusa infundada de cobertura pelo plano de saúde -, é possível a condenação para indenização psicológica." (AgRg no Ag 846077 / RJ, 3ª Turma. Relator Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ 18.6.2007 p. 263) (grifou-se)


Impossível imaginar que alguém sofrendo com uma doença grave não se sinta moralmente abalado ao procurar uma clínica para realizar um exame de importância ímpar e tê-lo negado por um ato de negligência contratual perpetrada pelo plano de saúde.

Dessa forma, a recusa em dar cobertura de tratamento de saúde para doenças não ressalvadas, transpassa o simples inadimplemento contratual e os meros dissabores da vida cotidiana, ensejando, ainda, a reparação pelos danos morais sofridos.

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